TMI vs Princípios Batistas Nacionais

Um dos assuntos mais controversos no meio protestante se refere à ortodoxia, ou não, da Teologia da Missão Integral. De acordo com seus precursores, a TMI nada mais é do que uma volta às Escrituras, no que se refere à missão (integral) da Igreja de Cristo, a qual é composta por pessoas regeneradas e, consequentemente, responsáveis pela propagação do Reino de Deus em todas as esferas da vida humana. Por outro lado, os seus opositores mais ferrenhos a acusam de ser uma teologia anti-bíblica, calcada mais nas premissas de Marx que nas de Cristo.

            Em meio a este “fogo cruzado”, qual deveria ser a posição dos batistas nacionais? Antes de trazer uma resposta, faz-se necessário compreender melhor em que consiste a TMI, ao menos analisarmos seus pressupostos mais gerais, uma vez que dentro desse campo há várias correntes distintas, além de que a produção de conteúdo sobre esta temática é bem vasta e a pretensão deste trabalho não é ser exaustivo, mas apenas reflexivo, lançando luz sobre essa discussão.

        O conceito de Missão Integral nasce em meio a um contexto latino-americano de ressignificação do pensar teológico, que se dá ao longo do século XX, principalmente após a sua segunda metade. A proposição é não mais “importar” a teologia advinda da Europa e Estados Unidos, mas produzir uma teologia que tenha como ponto inicial e final o contexto latino-americano.

É bem verdade que toda a teologia é em si mesma contextual, pois parte da problemática humana para trazer, através da revelação divina, as respostas que assaltam o homem – que é um ser inserido em um determinado contexto sociocultural. Contudo, a novidade dessa teologia contextual latino-americana nascente (Teologia da Libertação, em meio aos católicos, e Teologia da Missão Integral, no meio protestante) é não reproduzir uma teologia pensada a partir do contexto alheio a sua realidade, mas que seja relevante aos anseios do seu povo. Questões que estavam na periferia do pensamento teológico tradicional anterior e faziam parte da realidade próxima do povo latino-americano, tais como: pobreza e injustiça social, passam a ser, a partir de então, o ponto focal da reflexão teológica.

Conforme afirma Sidney de Moraes Sanches (2010, p. 82), o centro do Evangelho, na Teologia da Missão Integral, é a vida de Cristo narrada, onde o seu cenário é

… a ação bondosa de Deus que tudo cria, reconcilia consigo os seres humanos e toda a criação, restaura a dignidade humana, transforma as culturas, e conduz a criação à plena liberdade.[…] O objetivo do Espírito é conduzir a comunidade fraterna a estender sua experiência de perdão e reconciliação a um contexto de ódio e discriminação presente na história do povo latino-americano. Esta atividade de reconciliação visa eliminar toda injustiça, opressão e sinais de morte na América Latina. Isto é feito por meio da proclamação do evangelho, e por meio da pastoral de restauração, cujo objetivo é trazer consolo aos que sofrem discriminação, marginalização e desumanidade.

Esta teologia passa a ganhar corpo principalmente a partir dos Congressos Latino-americanos de Evangelização (CLADEs) e do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, ocorrido em Lausanne, Suíça, no ano de 1974. Com a presença de representantes significativos da fé protestante, tais como Jonh Stott e Billy Graham, foi firmado o Pacto de Lausanne, de onde se materializou, em sua essência, a concepção da integralidade da missão da igreja como sendo a propagação do “evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens”.

Ao analisar, mesmo que de maneira simplória, o fator motivador do nascimento da Teologia da Missão Integral e a envergadura de grandes homens de Deus engajados, até certo ponto, com tais motivações, a pergunta inicial volta à tona: qual o problema de abraçarmos, enquanto batistas nacionais, tal teologia?

Façamos uma comparação entre as assertivas holísticas da TMI e o principal instrumento confessional de nossa fé (Manual Básico Batista Nacional) e vejamos o quanto de semelhança de pensamento temos com os princípios batistas nacionais: Cremos que cada indivíduo é criado a imagem de Deus, único precioso e insubstituível; Cremos e defendemos, ao longo da história, que cada um destes indivíduos possuem plena liberdade, inclusive de consciência;  Cremos que, na relação da igreja com o mundo, cada cristão, bem como a própria igreja, tem a obrigação de se opor ao mal, trabalhando para eliminar tudo que corrompa e degrade a vida humana; Cremos também que compete a igreja, imbuída do propósito divino no mundo, tomar posição definida em relação à justiça, trabalhando com o intuito de promover o respeito mútuo, a fraternidade, a retidão e a paz em todas as relações entre os homens, raças e nações.

Diante de tais simetrias, não é possível haver essa relação entre a Teologia da Missão Integral e os batistas nacionais? A resposta é sim e não! Esta relação, na verdade, é possível a depender de “qual” Teologia da Missão Integral estejamos lidando. Este movimento possui, como uma de suas características, uma realidade heterogênea, com várias correntes, como deixa claro Henrique Ribeiro de Araújo (2017, p. 154), em seu artigo intitulado “Missão Integral: uma proposta de parametrização das diversas matizes existentes no Brasil”, escrito na Revista Batista Pioneira. Neste trabalho, Araújo, com o intuito didático, subdivide em 4 as correntes presentes dentro da Teologia da Missão Integral: “esquerda”, “centro-esquerda”, “centro-direita” e “direita”. É bem verdade que Araújo se propõe a analisar apenas a realidade brasileira, contudo, ela não está desconectada da essência latino-americana, sendo antes um reflexo desta última. Cada uma dessas matizes, nomeadas por Araújo, se caracterizam ou por se aproximar mais de uma visão conservadora (visão direitista) ou de uma visão mais progressista (visão esquerdista).  Contudo, apesar das diferenças, todas essas visões possuem um núcleo em comum.

Aqueles de tendência mais à esquerda, dentro da TMI, não colocam a evangelização em uma posição de maior importância, frente ao aspecto social. Antes, pregar o evangelho é tão importante quanto o combate às mazelas sociais que afligem o indivíduo e a sociedade. Nesse sentido, há um forte engajamento político-social e uma íntima aproximação dos defensores dessa corrente com a cosmovisão marxista, utilizando-se de pressupostos que, em sua raiz, se opõem a cosmovisão cristã – embora seus defensores não vejam esta contradição ou, antes, afirmem que não se apropriam das premissas marxistas.  Uma figura que exemplifica bem essa vertente da TMI é o Pr. Ariovaldo Ramos, o qual deixa transparecer a sua posição tanto em suas falas quanto em suas ações, tais como discursos elogiosos a líderes políticos latino-americanos de esquerda, como Hugo Chávez e Luiz Inácio “Lula” da Silva.

Diante deste entendimento, e em comparação aos princípios batistas nacionais, vemos uma incompatibilidade entre essa vertente da TMI e a nossa visão. É bem verdade que, semelhantemente ao que é proposto pela Missão Integral, nós entendemos, biblicamente, que a nossa responsabilidade, enquanto cristão (indivíduo) e enquanto igreja (coletivo), não se restringe ao mundo espiritual, mas tem implicações e obrigações em todas as áreas da nossa vida e sociedade. Também defendemos que quando Cristo voltar gozaremos da plenitude do seu Reino, contudo, já agora usufruímos deste Reino, inaugurado pela Sua primeira vinda e vivido por nós a partir da conversão, tendo como responsabilidade a expansão deste Reino, que abarca todas as esferas da sociedade e do homem. Contudo, não compactuamos com a ênfase dada à responsabilidade social, em detrimento da evangelização. Cremos que a pregação do evangelho é o centro da missão da igreja, uma vez que apenas ela tem o poder de transformar a vida do indivíduo, através da ação do Espírito Santo, e de leva-lo ao Reino de Deus. O problema não consiste em darmos à devida importância a responsabilidade social, na missão integral da igreja, mas de, ao enfatizarmos demais um único ponto da verdade, nos tornarmos desproporcionais e nos desviarmos do centro da Palavra de Deus.

Apesar desta crítica à TMI, seríamos desonestos ao generalizar este equívoco a todos os que a defendem. Como vimos, dentro do seu seio, há algumas variantes (principalmente, as mais alinhadas à direita) que transparecem mais afinidades com os batistas nacionais, o que mostra uma possibilidade de diálogo. De igual maneira, seriamos levianos ao analisar todo o trabalho (teórico e prático) desenvolvido por aqueles que abraçam tal teologia e apenas enumerar seus erros. Há pontos que foram (e são) importantes à reflexão da ortodoxia e ortopraxia da igreja, que em boa parte das vezes entende equivocadamente sua missão e acaba não dialogando com o mundo a sua volta por viver uma dicotomia entre aquilo que é encarado como “espiritual” e aquilo que é “secular”.

Diante de tais argumentos e enquanto batistas nacionais, cabe-nos seguir a admoestação de Paulo aos Tessalonicenses, em por a prova todas as coisas, retendo aquilo que é bom. Nesse sentido, devemos observar aquilo que se alinha à Escritura e a nossa confessionalidade, dentro da Teologia da Missão Integral, nos opondo àquilo que vai de encontro a tais premissas e crescendo naquilo que reverbera nossos princípios.    

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ARAUJO, Henrique Ribeiro de. Missão Integral: uma proposta de parametrização das diversas matizes existentes no Brasil. Revista Batista Pioneira, Brasil. p. 151 a p. 166. Vol. 6 n. 1 Junho/2017.

SANCHES, Sidney de Moraes. A Teologia da Missão Integral como teologia evangélica contextual latinoamericana. Revista Caminhando. v. 15, n. 1, p. 65-85, jan./jun. 2010.

Por Jonathas Brito, pastor, historiador e teólogo.

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